História de um naufrágio

Conheça um pouco do currículo do Comandante Vasconcellos

fotos do curso 073CURSOS ESCOLARES

• Primeiro Grau: Colégio Militar de Belo Horizonte
• Segundo Grau: Colégio Naval – Angra dos Reis
• Superior: Escola Naval – Rio de Janeiro
• Aperfeiçoamento: CIAW – Rio de Janeiro
• Comando e Estado-Maior – Escola de Guerra Naval
• Superior de Guerra Naval – Escola de Guerra Naval

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

• Mais de 30 anos de serviço ativo na Marinha de Guerra
• Comandos no mar na Marinha de Guerra: NV Aratu e CV Julio de Noronha
• Comandos no mar na Marinha Mercante: AHTS Yvan Barretto, AHTS Haroldo Ramos, Norsul Caravelas, Norsul Vega, Norsul Vitória, NT Castillo de Herrera e NT Castillo de Maceda
• Imediatice na Marinha de Guerra: CV Jaceguai e F Constituição
• Estado-Maior: Força de Fragatas, Comando do 4o Distrito Naval e Estado-Maior da Armada
• Instrutoria: Escola Naval, Escola de Guerra Naval, Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (Ciaga), Instituto de Ciências Náuticas (ICN) e Capitania dos Portos do Rio de Janeiro (CPRJ)

Essa é a história verídica do meu naufrágio.

Foi numa sexta feira, 13 de fevereiro de 1976 (ano e mês bissexto) que aconteceu o fato que marcou para sempre a minha vida e de mais 3 amigos.

Essa é uma História que sempre conto em minhas aulas de salvatagem e em palestras, mas nunca tinha escrito assim... para leitura. Falar ao vivo é um pouco diferente. Agora, dentro da minha instrospecção, todo aquele sentimento e um turbilhão de momentos afloram na memória.

Personagens da História:
Eu e 3 grandes amigos para toda a vida;
Comandante Ricardo Costa Pina, hoje também na reserva da Marinha, meu grande parceiro na SEAMAN NÁUTICA, nos cursos STCW;
Comandante Marco Antônio da Rocha Suzarte, também na reserva da Marinha e piloto de helicópteros;
Saudoso Comandante Érico Cavalcanti de Albuquerque, nosso Comandante nesse episódio, e que faleceu anos depois, já como Capitão-de-Mar-e-Guerra, permanecendo para sempre no mar...

Para minha narrativa eu vou chamá-los de Érico, Pina e Suzarte.

Outros personagens destacados, pois tiveram muitos e tenho medo de esquecer alguns:
Comandante Robinson Frederico Hasselmann (tio Bill), nosso técnico da vela na Escola Naval e um amigo para sempre.

Dr. Paulo Albuquerque, médico e dono do veleiro Victória.

Creio até que essa História poderia dar um filme ou novela, pois tem todo um envolvimento que dura até hoje. Por isso vou escrevê-la por partes, até mesmo para não cansar o leitor.

Então vamos para 1976.

Quem era eu em janeiro de 1976?

Tinha 21 anos, havia passado para o quarto ano da Escola Naval (me formaria neste ano), era da equipe de vela da Escola Naval e tinha sido selecionado para disputar o Sul americano de Soling (uma classe de veleiro de competição) na Venezuela, enfim... eu me achava o f.... (máximo), assim como os jovens devem se achar... nada de ruim aconteceria comigo... com os outros pode ser, mas nunca pensava que poderia acontecer comigo...
O Pina estava no terceiro ano da Escola Naval e o Suzarte no segundo, ambos também da equipe de vela... todos íamos competir.

Janeiro de 1976

Ao nos apresentarmos na Escola Naval para nos preparar para a viagem onde seriam realizadas as regatas, fomos surpreendidos pelo nosso técnico, Comandante Robinson (tio Bill, para os amigos), de que o Brasil não enviaria mais a delegação para a competição, mas que poderíamos ir ao Caribe para trazer um veleiro para o Rio de Janeiro e que essa viagem poderia ser equivalente a viagem de aspirantes (todas as férias os aspirantes fazem viagens em navios da Marinha).


caribe

- "Pô! Férias no Caribe... e sem ônus... quando é que eu embarco?" foi o que pensamos.

Lá fomos nós...

Eu, Pina e Suzarte pegamos o vôo para São Domingos (República Dominicana), com escala em Caracas (Venezuela). O Érico só embarcará em Porto Rico...

Chegando lá encotramos no aeroporto o Dr. Paulo Albuquerque (dono do barco) que já nos aguardava. Ainda não o conhecíamos, mas seu tratamento e atenção logo nos mostrou que se tratava de alguém especial.

De São Domingos fomos para Boca Chica, onde o barco estava em final de reparo no motor. Foi aí que conhecemos o Victória (era esse o nome do barco), um Irwin de 45 pés, com dois mastros e muito confortável por dentro.

Ainda ficamos alguns dias até o reparo final. Foi quando tivemos nossa iniciação no espanhol e tínhamos o Dr. Paulo como nosso professor. Uma coisa que nos impressionou era a pobreza que estava do outro lado do muro do Iate Clube de Boca Chica...

Esse pequeno tempo até a partida foi o que tivemos para conhecer o Paulo Albuqueruqe, o barco e o planejamento da viagem. É bom lembrar que nessa época não se tinha a disponiblidade de internet, GPS e todas as facilidades encontradas hoje. Nossa meteorologia de bordo limitava-se a um barômetro e a navegação seria feita pelo Paulo que se dizia conhecedor, inclusive, da navegação astronômica. O planejamento também era bem simplório, com a rota traçada até a Ilha de Guadalupe, onde reabasteceríamos, e depois o Brasil. Não estava previsto, por exemplo, uma arribada em Porto Rico, tanto que não tínhamos o visto americano. Agora vemos como éramos amadores.

O motor ficou pronto e saímos com nosso espírito aventureiro, afinal éramos jovens e tudo poderia acontecer com os outros, mas não com a gente. Tudo estava maravilhoso, o tempo lindo, o barco, as músicas hispânicas que o Paulo colocava para tocar, até que.... a noite foi chegando e com ela uma forte tempestade caribenha. O Paulo entrou para a cabine e não voltou mais. Lembro que passei a noite levando o barco e a tempestade avariou a vela grande e ficamos sem o gerador de energia. Ao amanhecer tudo estava calmo novamente e sem vento algum.

Chegamos a conclusão que teríamos que arribar em um porto para efetuar os consertos necessários. E aí? Onde estávamos? Depois de navegar uma noite inteira sem posição, onde estávamos? Lembro que não tínhamos GPS nessa época. Foi quando o Paulo pegou o sextante e disse que observaria uma posição... nessa altura, eu que havia conduzido o barco durante a noite, sabia o rumo e a velocidade média que tinha navegado. Pelas minhas contas nós estaríamos bem antes de onde o Paulo achou... Ele determinou guinar rumo Norte que encontraríamos Porto Rico, enquanto eu achava que não encontraríamos nada e passaríamos pelo canal de Mona. Como o dono era ele, aproveitei e fui dormir.

Ao acordar, já de tarde, o barco estava parado, com as velas batendo e não víamos terra nenhuma... foi quando o Paulo aceitou a minha sugestão de guinarmos para Leste pois, com o que andamos para o Norte, já deveríamos ter avistado terra e ela estaria a Leste se minha opinião anterior estivesse certa.

Ao anoitecer avistamos terra, com luzes, pela proa... onde estaríamos??? Resolvemos fundear (ancorar) e esperar o dia clarear... Foi uma noite bastante agitada, com o barco forçando a âncora a toda hora e balançando como nunca... Ao amanhecer foi que vimos que tínhamos fundeado muito próximo da arrebentação (papai do céu protegeu...) e era uma praia de surfistas. Como não estava no nosso planejamento, não tínhamos carta do local. O Pina e o Suzarte então arriaram o bote inflável para ir até a praia e perguntar onde estávamos. E para voltar??? Depois de chegarem à praia e perguntar, como passariam pela arrebentação na volta??? Tive que mandar um cabo (corda) para puxá-los de volta...


Estávamos em Maiaguez, uma cidade de Porto Rico no extremo SW da Ilha, ou seja, para chegarmos a Ponce, onde poderíamos ter o apoio necessário para os reparos, ainda teríamos que navegar mais para Leste, uma vez que Ponce fica no meio e ao Sul da Ilha. Como não tínhamos carta, fomos costeando, sem perder terra de vista. Foi aí que o barco deu uma tocada em algo do fundo, mas que continuamos até avistarmos Ponce à noite. Para entrar fomos guiados pelo rádio para a área de quarentena. Tratava-se de uma arribada reconhecida internacionalmente para embarcações com problemas.

No dia seguinte recebemos a visita da Coast Guard que permitiu nossa atracação e estadia no Iate Clube até a finalização do reparo.

Já atracados, fomos jantar no Iate Clube e o Paulo nos comunicou que teria que voltar para o Brasil no dia seguinte. Poderamos que não daria para levar o barco só com três e ele ficou de enviar um quarto para ser o Comandante do barco e que soubesse navegação astronômica. Cabe aqui dizer que a matéria de navegação astronômica só era ministrada no quarto ano da Escola Naval, ou seja, nenhum de nós ainda havia estudado.

No dia seguinte ele viajou e lá estávamos nós três, em Porto Rico, a espera dos reparos e do novo Capitão.


Revista Náutica

Eu, Pina e Suzarte ficamos em Ponce aguardando o reparo e o novo tripulante.

Em Porto Rico pudemos conhecer toda a Ilha e fizemos amizades, sendo que certa vez, Eu e o Pina salvamos dois garotos que viraram comum snipe (outro tipo de barco à vela para duas pessoas) e seus pais ficaram nossos amigos, nos levando a diversos lugares.

Finalmente, quase um mês depois, chegou o novo tripulante, que comandaria o barco até o Rio de Janeiro. Tratava-se do Érico, na época era ainda um Capitão- Tenente, também velejador e com bastante experiência em Navegação. Não tivemos muito tempo para nos conhecer, pois nosso visto especial tinha expirado e tivemos que sair com o barco que também já estava pronto.

Saímos... o vento era ZERO e por isso tivemos que navegar muito tempo a motor, gastando bastante combustível. Lembro que um veleiro leva pouco combustível, apenas para manobras e, por isso, programamos parar em Basseterre (St Christopher) antes de deixarmos as Ilhas que formam o final do Caribe, para reabastecimento.



Nesse ponto eu gosto de esclarecer algumas coisas para os que não conhecem bem os termos e medidas utilizadas em navegação.

Normalmente nós apredemos que a menor distância entre dois pontos é uma reta e aqui em terra estamos acostumados com metros, kilômetros por hora, etc... de repente, no mar, começamos a ouvir milhas náuticas, nós, latitude e longitude, etc...acontece que a Terra é uma esfera e para navegarmos em sua superfície temos que descrever uma curva. Por isso as medidas são angulares, ou seja, em graus, minutos e segundos ou décimos de minuto, são esféricas. Uma milha náutica equivale a um minuto de latitude. A velocidade é em nós, que significa milha náutica por hora. Então, por curiosidade, uma milha náutica equivale a 1852 metros. Um navio com uma velocidade de 22 nós estaria a cerca de 42 km por hora. Navegando entre Rio e Santos, por exemplo, com a distância de 220 milhas, este navio levaria cerca de 10 horas de travessia.

O vento também tem sua velocidade em nós e, para exemplificar, um vento de 10 nós é aquele vento que se pode velejar quase sem ondas (o vento faz as ondas). Um vento de 30 nós já é um vento forte. Um vento de 40 nós já pode destelhar alguns telhados e por aí vai...

Voltando a nossa viagem, saímos com vento ZERO, o que significa atenção, o tempo pode virar e vir mau tempo. Lembro que naquela época não tínhamos as facilidades de hoje em termos de internet, satélites, GPS, etc...

Navegamos bastante a motor e em direção a Basseterre, onde atracamos para reabastecer. Enquanto rabastecíamos, o Pina e o Suzarte foram a terra para comprar pilhas e voltaram correndo por que iam ser assaltados... Enquanto isso, durante o reabastecimento, verifiquei fumaça vindo da cabine de popa. FOGO! O gerador estava sem água e aqueceu em demasia, iniciando um incêndio no banheiro da cabine de popa. Extintores em ação... apagamos o fogo, mas ficamos com o banheiro de popa inoperante. Nisso vem o Pina e Suzarte correndo e saímos novamente, agora com destino a Fortaleza.

Após nossa saída de Basseterre o vento começa a aumentar... 20, 30, 40, e 50 nós. Rizamos as velas.



O barco tinha 2 mastros e, para navegarmos com as condições de tempo que se apresentavam, tiramos a vela mezena, a vela grande foi arriada até aos "amarradores" azuis mais altos (vide figura acima)substituímos a vela para a storm. (Desculpem o desenho, mas não deu para tirar fotografia do barco... ele afundou...) Mesmo com vento e mar contra, ainda navegávamos com cerca de 7 nós. O vento forte quebrou nossa antena do rádio e a água passava pelo convés com o barco bastante adernado. Nosso serviço era dividido por dois, com o Érico e Pina formando uma dupla e Eu e o Suzarte a outra. Ia entrar de serviço a meia noite quando o Pina veio me acordar às 22 horas.

- "Pô Pina... ainda faltam duas horas... eu estava dormindo..."(reclamei)
-"O Érico está pedindo para arriarmos as velas e jogar a âncora de temporal. Ficamos sem leme e temos que fazer o reparo no galdropes."(disse o Pina)

O vento era contra e as rajadas iam a 60 nós. As ondas aumentavam e chegavam a arrebentar. Apesar de ser de cabo de aço, o galdropes havia se rompido, deixando o barco sem direção. A âncora de temporal na verdade não é uma âncora... trata-se de um paraquedas que após lançadona água, abre e faz com que a embarcação fique mais estável.


Após arriarmos as velas, estávamos todos no convés, já com o barco afilado as ondas e mais estável, quando o Érico sugeriu que esperássemos o dia nascer para fazermos o reparo com a luz do dia e pudéssemos descansar um pouco naquela noite... vamos tomar um whisky para relaxar... Eu desci à cabine para pegar o whisky e chegando lá vi que o barco estava alagado, com a água chegando na minha canela...

Era 1976 (ano bisexto), fevereiro (mês bisexto), sexta-feira, 13...

Ao me deparar com toda aquela água dentro do barco, bradei para o Érico:
"Ou entrou água quando estávamos adernados... ou estamos afundando..."

O leme... vamos ver o leme... corremos para a cabine de popa e, ao tirarmos o colchão e estrado da cama, vimos o mar... muita água entrando!



O gualdrops havia se rompido e acreditamos que as ondas ajudaram no rompimento do encaixe macho-fêmea do leme com o casco, fazendo com que o leme se tornasse um pendulo, arrebentando a fibra de vidro do casco. A meia lua que prendia o gualdrops era grande e não dava para empurrá-la para baixo.

Com o mar grosso batendo e o leme arrebentando o casco por baixo, cada vez entrava mais água... O Pina tentou segurar a haste do leme para ver se conseguíamos acolchoá-la, mas as fortes ondas fizeram com que sua mão cortasse com a fibra de vidro... sangue e Pina fora de combate... e a água subindo... as bombas de esgoto não davam vazão.

O Érico foi para o rádio pedir socorro, mas a antena havia caído no mar...
A água subindo... cobriu as baterias... curto e escuro... as bombas pararam... preparar para abandonar o barco... a ficha começa a cair!


Vamos preparar as balsas salva-vidas... eram dois casulos brancos, pequenos, que ficavam no convés.
Bastava lançá-los ao mar e puxar o cabo que saía de dentro deles, a fim de acionar a ampola de gás que inflaria as balsas, fazendo com que elas saíssem dos casulos infladas.


Com as balsas prontas e o Pina já acomodado em uma delas, resolvemos levar o bote do barco com o que denominamos de supérfluos, pois as duas balsas eram pequenas e só cabiam mesmo nós quatro (dois em cada uma) e os respectivos sacos de salvatagem (com toda a palamenta de emergência). No bote nós levaríamos mais roupas, bebidas, comidas, enfim, todo o restante que seria supérfluo numa emergência.

Eu disse levaríamos porque... depois de aprontarmos o bote, uma forte onda o levou... com todo nosso supérfluo!

Ainda mergulhei na cabine do barco, pela última vez, para pegar meus documentos (o passaporte e a identidade) e o Suzarte foi pegar cigarros, pois não passava sem fumar. Pegou um pacote de cigarros e caixa de fósforos "molhada".

Era meia noite, de uma sexta feira 13, de um ano bisexto e estávamos agora em duas pequenas balsas, Eu e o Pina em uma e o Érico e Suzarte na outra, amarrados pela minha cintura e a do Érico... as ondas estouravam em cima das balsas que fechávamos quando elas vinham e, com os pés, tirávamos a água que havia arriado a cobertura da balsas... estávamos a 180 milhas da terra mais próxima e ninguém havia respondido nossas mensagens de socorro.

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Foi quando o Érico falou que tinha achado um rádio transmissor e ia prendê-lo por fora da balsa... veio a onda... a balsa dele estava aberta... a balsa virou e lá se foi o rádio... como não podemos perder o humor, o Érico estava amarrado a mim e o Suzarte dentro da balsa.... o último filme que havíamos assistido em Ponce tinha sido TUBARÃO... o Suzarte desvirou a balsa em segundos.

Estávamos à deriva!!!!!!

Combinamos duas coisas que considero fundamentais para a sobrevivência no mar, sendo que uma delas eu considero até hoje como a maior terapia que conheço e acho que foi o fator determinante para que mantivéssemos o moral elevado e nos salvássemos.

1- Ninguém pode ver terra sozinho, se um ver e os outros não será miragem. Mais adiante vamos ver o Suzarte lidando com isso.

2- FUNDAMENTAL - Ninguém pode falar sério! - ou alegra o ambiente ou fica quieto! - ora... num ambiente totalmente negativo, falar sério significa falar negativo e tudo fica negativo...estávamos a 180 milhas da terra mais próxima, ninguém tinha ouvido nosso pedido de socorro, estávamos à deriva em duas balsinhas mínimas, as ondas estouravam em cima da gente.... FALA SÉRIO....

No segundo dia apareceu o primeiro navio.... vindo em nossa direção. - Pô Érico eles ouviram sua mensagem... estamos salvos... vou tomar um banho quente... eles vieram nos resgatar.... vamos comer uma comidinha quente... enfim, EUFORIA TOTAL. E o navio continuava vindo em nossa direção. - Lança os pirotécnicos... lançamos... de dia... mas o navio continuava vindo. EUFORIA.

E o navio passou.... pertinho... e foi... e não resgatou a gente... DEPRESSÃO.

Sua mente está em emergência... seus sentidos modificam... da euforia a depressão é rápido... e aí. Vai falar sério???? Ficamos calados por um longo período. A introspecção faz parte da vida do naufrágo.

Nessa altura já havia vida marinha em baixo das balsas e os peixes vinham comer. Um peixe mordia insistentemente nossa balsa até que a furou... falou o Pina - "Pedrinho, acho que esse fdp furou a nossa balsa..." - e Eu "também acho, me passa aí a bomba de encher". E passamos a ter que encher nossa balsa de tempos em tempos.

Quando estávamos para abandonar o barco e eu fui salvar meu passaporte e identidade, o Suzarte estava preocupado em salvar um pacote de cigarros e salvou também caixa de fósforos que molharam e ele ficava tentando secá-los ao Sol que já havia saído, enquanto nós permanecíamos dentro... à sombra. E, por brincadeira, falávamos que ele ia ficar maluco tentando secar os fósforos.

Na tarde do terceiro dia, Suzarte ainda em sua faina viu terra... IH! Será? ou estou ficando louco... e se os outros não verem....?????

VIMOS! Onde será que estamos chegando?

Passou o segundo navio e também não nos viu... mas agora estávamos mais confortados... estávamos indo em direção a terra que cada vez ficava maior. Vimos avião pousando e à noite luzes....

De repente começamos a ouvir um barulho de arrebentação que estava mais perto do que as luzes que avistávamos. Preparar... vestir as roupas, tenis, coletes, etc. Não sabíamos o que iríamos encontrar... minha balsa desce numa onda e a sorte foi estar amarrado ao Érico na outra balsa. Estávamos numa arrebentação de coral.

Não tínhamos remos e tivemos que improvisar com as caixas das pistolas dos pirotécnicos. Remamos por umas 5 horas até que vencemos a arrebentação e encontramos uma bóia de pescadores. Estávamos numa baía. Já era madrugada e chovia fino. Amarramos na bóia. Estávamos exaustos.

Ao amanhecer chegaram os pescadores. Falavam um dialeto francês, mas a lei do mar é maior e logo entenderam nossa situação. Rebocaram-nos até a praia e acolheram-nos e suas casas. Chamaram a Aduana e foi quando ficamos sabendo que estávamos na Martinica (possessão francesa).

O pessoal da Aduana não acreditou na história do Érico e se não fosse a mostra dos meus documentos (passaporte brasileiro e identidade da Escola Naval) talvez estivéssemos presos lá até hoje.

Depois de verem meus documentos, chamaram o pessoal da Marinha Francesa que pediu o telefone da Escola naval e confirmou nossa identidade. Estávamos salvos!!!!

Ainda me emociono até hoje quando me lembro desse final e fico por aqui.

Caso alguém queira mais algum comentário, por favor é só perguntar.